quarta-feira, 2 de março de 2011

Curiosidades - A Ciência do Palavrão (Parte III)

Com os palavrões, a história é outra. Eles deixam claro: Maria está sempre numa posição inferior. Note que a origem de fodido e seus equivalente não envolve o sexo apenas como uma ferramenta de submissão de homens contra mulheres. Mas de homens contra homens também. O estupro homossexual sempre foi, e segue sendo, uma forma eficaz de deixar claro num bando de machos quem é o chefe a violência sexual dentro dos presídios está aí para provar. A coisa é tão arraigada que até uma palavra inocente hoje, como coitado ou tadinho, sua variante mais fofa, significa aquele que sofreu o coito. Mas espera aí: como algo tão barra-pesada vira uma palavra até bonitinha? É o que vamos ver.

Que se dane!, diabos ou vá para o inferno já foi algo mais impactante. Claro: até décadas atrás não havia prognóstico pior que não ir para o céu quando morresse. Então, quando a idéia era insultar para valer, nada melhor que mandar alguém para o inferno. A perda de eficácia das palavras tabus relacionadas à religião é uma óbvia conseqüência da secularização da cultura ocidental, afirma Pinker.

Outra: quando a palavra câncer era sinônimo de morte, também não podia ser dita livremente. Nos obituários, a pessoa não morria de câncer, mas de uma longa enfermidade. Com os avanços no tratamento, a coisa mudou de figura, e câncer, apesar de ainda dar calafrios, virou uma palavra bem mais corriqueira.

As doenças em geral, na verdade, passaram por um processo parecido. Em Romeu e Julieta, de Shakespeare, por exemplo, há uma passagem dizendo: Que a peste invada as casas de ambos! Uma baita ofensa no século 16, quando a peste bubônica ainda era uma ameaça na Europa. Mas agora, no mundo limpo e cheio de antibióticos que a gente conhece, o xingamento shakespeariano parece inócuo.

E também há o inverso: palavras normais que viram tabu. Em algum momento da história do português um sujeito chamou pênis de pau. E uma palavra originalmente pura enveredava para o mau caminho. Nada mais comum: hoje ninguém se lembra mais de caralho como sendo a cestinha que ficava no alto do mastro dos navios, ou boceta como uma caixa pequena e redonda. A palavra vira tabu quando ganha um sentido simbólico, afirma o etimólogo Deonísio da Silva, da Universidade Estácio de Sá.

Mais uma mostra de como os palavrões flutuam com o espírito do tempo são as expressões que são tabu num lugar e não têm nada de mais em outro. Se você for a Portugal, vai ver que eles preferem cu e rabo para referirem-se às nádegas, e que coram quando alguém fala broche (o termo sujo para sexo oral).

Mas quem decide o que é palavrão e o que não é? Isso depende dos mecanismos de conservação da língua, que são o ensino, os meios de comunicação e os dicionários. As palavras relacionadas a sexo que não são palavrões são quase todas da literatura científica, como pênis e ânus, explica a lingüista Wânia de Aragão, da Universidade de Brasília. Não que isso impeça termos científicos de hoje, como pedófilo, de virar palavra suja um dia. A palavra esquizofrênico, por exemplo, nasceu na ciência, mas agora, com o aumento dos dignósticos de doenças mentais, caiu na boca do povo. E está virando xingamento.

Mas saber quais serão os palavrões do futuro é tão impossível quanto prever o futuro da tecnologia, da humanidade ou do Corinthians. O escritor e comediante inglês Douglas Adams, resumiu isso bem no clássico O Guia do Mochileiro das Galáxias. O livro diz que o palavrão mais sujo entre os habitantes dos outros planetas da Via Láctea é uma expressão bem conhecida dos terráqueos: bélgica.

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