segunda-feira, 21 de março de 2011

Drummond: Em verdade temos medo. Nascemos escuro. ...



Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.


e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.


este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.


Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.


meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.


Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?


vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas


lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.


duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.


com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.


tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.


Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.


recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,


Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,

dançando o baile do medo.

eles povoam a cidade.

Adeus: vamos para a frente,

Tenhamos o maior pavor,

O medo, com sua física,

E com asas de prudência,

Faremos casas de medo,

do homem só. Ajudai-nos,

Vem, harmonia do medo,

Assim nos criam burgueses,

Fiquei com medo de ti,

Fazia frio em São Paulo…

Refugiamo-nos no amor,

Somos apenas uns homens

E fomos educados para o medo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário